A guinada da imprensa sindical
[Compartilho entrevista com o jornalista Gastão Cassel, responsável pela reforma radical de publicações jornalísticas sindicais de entidades laborais catarinenses do setor eletricitário. A entrevista faz parte da monografia que estou desenvolvendo. Guilherme]
Quais foram os maiores desafios do time de jornalistas que se formou à época, na expectativa de sensibilizar a direção do sindicato para a necessidade de produzir um informativo efetivamente jornalístico? Ou os sindicalistas já tinham essa predisposição?
Como não havia um planejamento de comunicação, tudo começou do zero. Na verdade, nem eu sabia muito bem o que fazer. Sabia fazer jornais, escrever, diagramar, era fotógrafo razoável. As habilidades, eu tinha, mas nunca havia planejado uma estratégia de comunicação. Em Florianópolis, tinha um cara que era presidente do Sindicato dos Bancários que era também formando no curso de Jornalismo. Ele trabalhava numa monografia sobre imprensa sindical chamada “Saídas e Bandeiras”. Samuel Pantojas Lima se tornou um apoio indispensável na formulação, já que o sindicato que dirigia tinha uma publicação regular, impressa em off-set, a “Folha Sindical”. Nos eletricitários, começamos com um boletim de formato A4, impresso em xerox sobre uma matriz com o logo “Informativo” impresso em duas cores. A composição era em máquina de escrever eletrônica. Títulos eram compostos com letras decalcáveis. E a linguagem, a gente ia descobrindo. Assim mesmo, descobrindo. É que havia uma enorme necessidade recalcada de comunicação. É como se os sindicalistas estivessem afoitos para dizer muitas coisas. Para os leitores, tudo era novidade também, portanto tudo era consumido com certa avidez. Hoje, reflito que fazer os informativos é como cozinhar para famintos: tudo tinha um sabor admirável. As discussões com Samuel e os jornalistas dos Bancários – Luciano Faria e Nei Pacheco (ambos estudantes na época) – começaram a apontar para a possibilidade de “fazer jornalismo” nos jornais sindicais. Isso soava estranho até para nós, e muito mais para os sindicalistas. Havia uma falsa dicotomia entre informação e formação. Como se a função da comunicação sindical fosse mais pedagógica do que outra coisa. Em março de 1988, lançamos o Linha Viva. Impresso em off-set nas rotativas de O Estado, com duas páginas. Ensaiamos ali algumas práticas de linguagem que renderam muita polêmica. Banimos, por exemplo, o “nós” para se referir aos leitores. Sindicalistas passaram a falar entre aspas e vez que outra aparecia até opinião de representantes das empresas. Parece muito óbvio, mas era novidade para o movimento sindical. Era uma ruptura com o que se convencionou chamar de linguagem panfletária. Mais adiante, ampliamos o jornal para quatro páginas.
Na prática, em termos de texto/conceito/pauta/design, o que mudou no jornal depois do advento daquele projeto e que impacto isso trouxe?
Nessa mudança, duas coisas foram importantes: o estabelecimento da página 4 como espaço para discutir temas não necessariamente ligados ao sindicalismo, como cultura, comportamento, música etc. Outra foi a criação de uma Tribuna Livre, uma coluna de opinião aberta aos leitores. São medidas singelas até, mas simbolicamente traziam muita novidade. Informações além da política e um espaço definido para a opinião, que significava que o resto não era opinião, era editorial. Na época, os sindicalistas já se orgulhavam do conceito do jornal. O que não quer dizer que volta e meia alguém não tivesse uma recaída querendo escrachar opiniões aqui e acolá.
O jornal mantém aquela receita? O projeto foi revisto outras vezes?
Acho que o “espírito” está mantido, mas precisamos considerar que se o movimento sindical está meio sem rumo, isso vai se refletir também no jornal. O Linha Viva, acho que perdeu muito do seu viço, muito em função dessa crise do sindicalismo. Perdeu em apresentação estética, perdeu em criatividade de pauta, ficou mais oficial.
Como fazer, seja em uma entidade, seja em uma empresa, para equacionar “demandas do leitor médio” e “assuntos que a corporação entende que o leitor precisa saber”?
Hoje, minha experiência está mais focada nos fundos de pensão, embora a gente faça algumas peças e até jornais para sindicatos. Neste caso, há a disponibilidade de pesquisas que avaliem a qualidade de comunicação, apontem caminhos. É verdade que é um recurso mais caro, mas não é problema para os fundos. Aí a gente sabe bem o que querem. Temos aplicado uma regra geral: humanizar as pautas. Associar as pautas a histórias de vida, contar histórias. Os resultados têm sido muito positivos. Aí a gente tem que ter sensibilidade e criatividade para dar contas das demandas do que “precisa ser dito”, e que às vezes não é nem legal, nem simpático, nem fácil de explicar.
As empresas modernizam práticas de gestão, estimulam a participação e a consciência crítica do funcionário, que há tempos deixou de ser um apertador de parafusos. Você diria que, em linhas gerais, o jornal institucional está sintonizado com esse processo?
Acho que todos os processos de comunicação estão sendo reinventados em função das novas possibilidades tecnológicas. Os interesses das pessoas estão diferentes. As publicações corporativas – empresariais ou sindicais – escrevem normalmente para um leitor aprisionado no mundo do trabalho. Como se aquele leitor não fosse o mesmo que vê “Big Brother”. E esse negócio de esconder temas é uma bobagem. Os caras vão comentar de qualquer jeito. Então é melhor escancarar, desmistificar, abrir o jogo. Mostra mais segurança, consciência, responsabilidade. Sempre defendo encarar os temas “ruins”.
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