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Arquivo da Categoria  Prêmio Literário

15dez

Fuga

Texto de Melanie Peter, segundo lugar na categoria Conto/Crônica do 7º Prêmio Joinville de Expressão Literária.

Fico parada ouvindo as gotas escorrendo pela calçada. Ouço alguém arrastando os tênis na superfície áspera e misteriosa. Faz uma semana que chove dia e noite. O barulho inesperado se aproxima. O centro da cidade enche de água, lixo e desespero. Os passos se aproximam. Eu absorvo toda a força da correnteza, vejo a água escorrer sanguínea pelo paralelepípedo, começo a saltitar por entre os desenhos do meio fio. Sei que no fim, sobrará o melancólico limo das calçadas, um cheiro estranho invadindo a mente e me fazendo perceber que o espaço onde o processo se desenrola é um caderno de esboços para uma performance. Jogo xadrez com a morte. O guarda-chuva rabiscado não é mais o mesmo. Meus pensamentos fluem mudamente ancorados nas emoções, fantasias, memórias e pressentimentos. Ajeito a haste quebrada. A chuva aumenta. Como fugir do desgaste, do que não fica, do que se esquece?

Essa mania de contemplação deseja sempre mais do que me é dado ver.  Sorvo o musgo do asfalto e deslizo a sola do pensamento voyeurístico na superfície confusa das interrogações. O descarte, as coisas que não duram, são uma ameaça. Quando meus olhos atravessam a esquina, vejo um homem, encharcado de sujeira, ajoelhado no chão. Esta cavando o lixo e minha súbita aparição o perturba. Por um momento pensa que eu sou uma ameaça. Sacolas brancas e pretas estão rasgadas. Na calçada se espalham porções de nojo. Papéis manchados de café, copos de plástico, casca de banana, caroço de maçã, um cd ROM aranhado, pequenos objetos não identificados, coisas que o tempo deletou da vida, coisas que se tornaram obsoletas rápido demais. Eu sou o lixo. E o sujeito com ar de mendigo está imerso em luxuosos descartes. Tem feridas na mão, um ar animalesco. Sinto o cheiro daquele lixo, da sujeira impregnada no cobertor cinza que recobre a sua vergonha. A minha vergonha porque ele existe.

Há uma boneca sem cabeça, uma cabeça de boneca sem corpo me fazendo lembrar dos manequins sem cabeça, dos manequins com cabeça encarando os vidros. Atrás do mendigo, uma vitrine cerrada por grades nos confunde. No fundo da cena, no fundo da vida, pessoas comprando e vendendo. Mais no fundo ainda, como o crepitar de sombras no rosto, a figura humana esboça um sorriso. Embarco, vacilante, no perigoso jogo dos olhares que suspende o tempo e me submete à vontade de seu código. Um código exaltante e aniquilador. Um código do qual somos simultaneamente donos e escravos.

Não temos tempo.

O homem foge.

Eu também.

15dez

O corpo do poeta

Texto de Marinaldo de Silva e Silva, primeiro lugar na categoria Conto/Crônica do 7º Prêmio Joinville de Expressão Literária.

As tatuagens, todas, estão ao dentro. Derrapam em letras menores, desenham-se através delas sem lente de aumento. No começo são cimentadas, duras, mas logo ficarão maleáveis, e virarão inspiração. Escaparão pelas mãos, signos num papel, numa parede, serão redes pescando alegorias, fazendo pequenas atrofias na lembrança. Misturar-se-ão na memória, umas palavras conhecidas, outras inventadas, todas atrevidas à gloria de deixarem o rascunho para procurar o ouro, a jóia da poesia virando poema, um verso tirado dum colar de fonemas preso no pescoço de um gênio, para adentrar numa lâmpada quase nunca acesa dentro de um baú sempre incompleto.
Dado a reciclar as idéias, vai de aldeia em aldeia garimpando ensaios de comédia e drama, pretensões de luz e linho. Esmerilha a métrica da dor e o cálice do desalinho. Sobrevoa o côncavo do amor, tenta escrever um romance de velhas cartas, todas fartas de serem tortas, e mortas, e que nas mãos do poeta míngua, pena, chora, dilacera, e ginga num azul de estrelas adormecidas e acinzentadas. Então separa a superfície, imerge, tentando achar a resposta, a que veda e secreta e, quando se abre, seja discreta ao fazedor de presságios, que é o poeta.
O corpo do poeta se divide em antes e depois da escrita. Antes é o pensamento, o maremoto de instâncias, de palavras de infância e de ser velho. Depois da escrita é a comoção da dúvida, o alerta do rascunho sem arestas, sem poeiras e pontas, só tontas idéias. E esse corpo de ser corpo sente, absorve a acidez e o aroma, e ao contente desagrada, porque hipnotiza a escolha e faz da bolha de sabão, alguma coisa que intercalando o céu, estoura, oxidando o chão.
E se a poesia desaparece, o poeta vai com ela. Não adianta janela ou porta que o acoroçoe, não adianta nenhuma planta endêmica, nenhum estratagema para resgatá-lo. O corpo do poeta sem poesia some. Vira apenas um homem exercitando uma mentira, uma piada invertida, antes da risada. Quando a poesia vai embora, o olhar rejeita a imagem, e fica cego das mesmas coisas, e vendo tudo como o tudo é, enterra-se na incapacidade de dar à palma da mão o plano do pé, e o poeta vira apenas mais um bípede. E passa a ser, só o que é.

15dez

Os vencedores e os jurados – 7º Prêmio Joinville de Expressão Literária


Nielson Modro (comissão julgadora do Prêmio), Ana Ribas Diefenthaeler e Guilherme Diefenthaeler (Mercado de Comunicação), Geraldo Lion (ExpecTV), Marinaldo de Silva e Silva (1º lugar na categoria Conto/Crônica), Rita de Cássia Alves (1º lugar categoria Poesia), Marlise Groth (comissão julgadora), Taiza Mara Rauen Moraes (professora de Literatura Brasileira e Teoria da Literatura na Univille e coordenadora do Programa Institucional de Incentivo à Leitura Proler/Joinville), Berenice Zabbot Garcia (pró-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários da Univille) e Sueli Cagnetti (jurada) posam para registrar a sétima edição do Prêmio Joinville de Expressão Literária.O concurso é uma iniciativa da Mercado de Comunicação e da Universidade da Região de Joinville, com apoio da Expectv.