De decisões e autonomia
Texto: Ana Ribas Diefenthaeler
Fonte: A Notícia
Ela se chamava Valentina – e não poderia ter outro nome. Tinha 14 anos, era chilena e convivia, desde os seis meses de idade, com uma doença de origem genética chamada fibrose cística, que causava dores lancinantes.
Tanto que, em fevereiro deste ano, gravou e publicou um vídeo endereçado à presidente Michelle Bachelet, em que pedia que a presidente autorizasse sua eutanásia. Queria receber uma injeção letal para abreviar sua vida e seu sofrimento. Comovida com o apelo, Bachelet visitou a menina no hospital, mas não autorizou a medida extrema, que é proibida pela legislação chilena.
Na quinta-feira passada, a menina faleceu, de insuficiência respiratória. Seu pai havia passado o dia anterior conversando com ela, em encontro que se prolongou até a madrugada de sua morte. À imprensa, ele disse que a filha foi embora tranquilamente. No vídeo, assistido por milhares de pessoas na internet, Valentina dizia que estava cansada de tantas dores e que a presidente poderia autorizar a atitude que a libertaria – e a faria dormir para sempre.
No final do ano passado, uma moça americana de 29 anos, que tinha câncer terminal, decidiu cometer o que a bioética define como suicídio assistido, após seus médicos dizerem que ela tinha não mais do que seis meses de vida e que a fase final seria muito dolorosa. Brittany Maynard optou pelo que definiu como morte digna.
Evidentemente que não cabem neste espaço embates profundos sobre temas tão polêmicos. Mas vale o registro da coragem dessas pessoas em enfrentar, de peito aberto, algo que sempre foi o maior mistério e a única certeza de quem nasce, que é a finitude.
À primeira vista, a vida da adolescente chilena parecia apenas um caminho de dor. No entanto, conheceu o amor de seus pais e todos os familiares, o carinho de muita gente que soube de seu caso e tentou ajudar, mobilizou plêiades de pessoas iluminadas, médicos dedicados e outros profissionais da saúde que a acompanharam até o fim. Um curto, mas intenso e rico espaço do mais puro amor.
Em algum misterioso flanco do viver, há, sim, uma grande e eterna paixão. Mas neste espaço tão desconhecido e mágico, há que caber, também, um outro elemento tão importante quanto o direito à vida, que é o direito à autonomia. E, então, alguém comenta comigo que é difícil avaliar se um adolescente de 14 anos tem plenas condições e maturidade para exercer esse direito. Não sei. Mas convivendo, por anos a fio e sem trégua, com tamanhas dores e sofrimento, talvez essa maturidade seja extraída a fórceps do ser. Paz, Valentina.
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