De distâncias e afetos
Texto: Ana Ribas Diefenthaeler
Fonte: A Notícia
As redes nem tão sociais aproximam quem está longe e afastam quem está perto… Uma ambiguidade existencial, nestes tempos em que vemos pela tevê, em tempo real, as investigações dos tantos escândalos, os acidentes e a banalização da vida e da ética do viver. Há quem diga que deixamos de ser impassíveis – e passamos, mesmo, à ação. Até fomos para as ruas, vejam só.
No entanto, enquanto conversávamos, pela virtualidade do não-ser, com amigos de lugares os mais distantes sobre a situação econômica e apontávamos nossas metralhadoras para tudo o que fosse institucional e político – como se fosse possível implodir o País e reconstruir tudo do zero –, não víamos passar em nossa rua aquela vizinha doente e só. A mulher que reside a poucas casas de nós, de quem soubemos, tempos atrás, da grave doença e dificuldades tantas, da falta da família, que vive no interior do Paraná… Aquela senhora de seus sessenta e tantos, que aparenta muito mais e atravessa a rua em cansados pés, em busca de um transporte que a permita chegar ao tão aguardado atendimento médico – aquela pessoa, tão triste, é invisível.
Estamos ocupados com os problemas conjunturais, ainda que sequer possamos entendê-los direito, empenhados em criticar a nova novela e as imoralidades que chegam pela telinha. Engraçado é que reclamamos e nos escandalizamos com as relações homoafetivas, mas não desligamos a bendita da tevê. Na nossa contumaz ignorância e suprema crueldade, viramos juízes e algozes. Sepultamos, com nossa tradicional acidez da verve e pequenez da alma, atrizes e atores sensacionais, que têm a audácia de nos apresentar a um espelho de que não gostamos nada, nada – porque reflete, em 3D, o avesso de nós.
Só que logo depois da indecente novela, voltamos a nossos papos virtuais – afinal, temos firmes convicções e opiniões embasadíssimas para solucionar todos os problemas que afligem a sociedade. E a noite segue quente, ainda que seja bem diferente o calor de algumas casas adiante, onde as luzes e as dores permanecem acesas.
E segue a via crucis da modernidade: via internet, pisamos o mundo, mas escamoteamos nosso próprio chão. E é quando, em uma dessas manhãs úmidas e caladas, a vizinha do lado vem avisar que a velhinha doente morreu. Ato contínuo, somos a cara da solidariedade. Cruzamos o portão ainda de pijamas e corremos até lá para prantear o corpo da abandonada. Ah, coitada… (e não, não duvidem daquelas lágrimas – são cristalina expressão de todo esse vazio).
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