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 27jul 

De fazer feliz

 

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

Eu fico feliz bem assim, à toa. Com um pássaro cantando à minha janela, meu neto caçula sorrindo, minha neta me fazendo agradinhos, um toque sutil de carinho, venha ele de quem vier. Eu fico feliz com uma frase de um amigo, com delícias musicais, com o final de um tempo de esperas, com bate-papo de boteco. Eu fico feliz com a minha própria paz que, vez em quando, se manifesta em seu silêncio e solidão.

Também fico feliz com crianças brincando, com pôr de sol, com chuva fininha e aquele friozinho gostoso, que convida a um bom filme, uma pipoca e um cobertor a dois. Fico muito feliz com poesia boa, histórias bem escritas e textos sem muitos erros gramaticais nas redes sociais.

Esses tempos de alegria são momentos que nos traduzem, no dia a dia, e nos reinventam a trajetória, enchendo de cor cada curva do caminho. Recentemente, aconteceu um desses instantes de perenidade que me encheu de orgulho e felicidade. A segunda Vara de Família de Florianópolis justificou com a “prevalência do afeto” a decisão, penso que inédita no país, de autorizar que um bebê seja registrado com um pai, o biológico, duas mães – sua família, de fato – e os seis avós correspondentes.

O casal de mulheres queria ter um filho, um amigo ajudou – e estabeleceu-se uma relação de afeto que a justiça reconheceu. O juiz Flávio André Paz de Brum argumentou que a ausência de lei para regulamentar novos e a cada dia mais numerosos e distintos fatos sociais não indica, necessariamente, a impossibilidade jurídica do pedido feito pela família. E aceitou a demanda com base nos laços de amor e em defesa dos interesses do bebê, que ainda não nasceu.

Desde muito criança ouço minha mãe dizer que bem-casado é quem é feliz. Referiase, claro, naquela época, aos casais que não formalizaram a união e que socialmente eram ainda malvistos – no interior gaúcho, muitas vezes usava-se pejorativamente a expressão “casal ajuntado”. Mas a premissa de minha mãe segue verdadeira, entendo eu, tenha a família o formato que tiver.

Ouvi comentários sobre os precedentes que uma decisão assim pode abrir: casamentos múltiplos, filhos usando quatro ou cinco sobrenomes, problemas de identidade das crianças e coisas do gênero. Prefiro não me preocupar com o porvir – e me ocupar do hoje com a dedicação, a seriedade e a inspiração em que se construiu a decisão do lúcido e humano juiz.

Certamente a sociedade ainda vai seguir se transformando, evoluindo, se aperfeiçoando.

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