De gotas a sóis
Texto: Ana Ribas Diefenthaeler
Fonte: A Notícia
Algumas piadas que invadiram as redes sociais e os noticiários da semana passada surpreenderam, mesmo. A primeira delas, a alegação de que o deputado Eduardo Cunha não tem contas na Suíça, é apenas “beneficiário” de fundos de investimentos. Pior: li há pouco que sua defesa vai sustentar que o dinheiro veio da venda de carne para o Zaire. Hã? Temporais políticos e éticos permanecem sobre nós.
Mas, para além desse clima quase eterno de pesadas nuvens, no comando e no pensar do país, o tema-chave, nas terras de Dona Francisca, ainda é a literal instabilidade. Vejo ideias engraçadas de “correntes” – como a que propõem alguns amigos, que pretendem colecionar sombrinhas e guarda-chuvas. Ou anúncios alusivos à água incontida – trocam-se óculos de sol por capas de chuva, bloqueadores solares por galochas… O assunto não poderia ser outro, as lagoas em nós.
Vejo textos poéticos, românticos e conformados sobre o desvario de São Pedro. Vejo protestos e campanhas pelo retorno do Astro-rei. Vejo o mofo na vida e, sobretudo, na criatividade – as pessoas, aos poucos, começam a se cansar. Afinal, há limite para tudo, deveria haver. Especialmente para as águas que nos atrapalham e atarantam.
Vejo jovens e velhos mergulhados em depressão, vejo os pequenos narizes escorrendo, vejo que falta pulsar vida nas janelas permanentemente fechadas. Sinto forte a ausência dos tão belos gorjeios da passarada – alguns resistentes bem-te-vis ainda salvam a melodia da estação, escondendo-se das gotas em meio às maltratadas folhas das árvores.
As águas param a gente – nas ruas, nas estradas, nas melodias, nos versos e na prosa. E, se inspiram alguns, em românticas abordagens, já não são assim tão festejadas, nem cortejadas. Os exageros dos céus andam cansando os viventes. Os dias, experienciados em muito mais do que 50 tons de cinza, perdem o elã, ninguém mais aguenta chegar em casa e ligar a tevê, o notebook ou buscar um livro novo na estante – em vez de preparar aquela caminhada com os cachorros ou vestir uma roupa legal para o happy hour com amigos.
Por mais encantador e necessário que seja o recolhimento, é preciso, sim, aquele mágico tempo de florir. De escancarar as portas e janelas da casa e da alma. De, às vezes, apostar no par de óculos escuros como fator de proteção existencial, de sacudir a poeira e o mofo da vida. De rir o riso fácil de um dia de ensolarada e colorida primavera. Se é de ciclos que se entende o existir, parece que este nosso tempinho de cara feia anda abusando de nós. Por mais encantador e necessário que seja o recolhimento, é preciso, sim, aquele mágico tempo de florir. De escancarar as portas e janelas da casa e da alma.
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