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 15jun 

De idades sem razão

 

Texto: Ana Ribas Diefenthaeler

Fonte: A Notícia

A velhinha, mais de 80, insiste em não ir, naquela semana, à manicure. Quer ela própria fazer as suas unhas. Pede à neta a caixinha de esmaltes e começa a se divertir, entre cores e odores, na tarefa que ela mesma se impôs, em sereno desafio.

A netinha, toda solícita, a ajuda a fazer as coisas na ordem certa. Primeiro, remover o esmalte antigo e, depois, o hidratante, para amaciar as mãos e tal. Mas a nossa personagem reclama autonomia e se recusa que a menina interfira, principalmente em comentários sobre os tons mais adequados para sua pele. “Quero o vermelho e pronto”, decreta, dando por encerrado o momento-pequeno-conflito.

E é, então, que ela toma o vidro de esmalte das mãos da corajosa neta, a única que se atreve a contrariá-la, vez em quando. Dá a tradicional sacudida, rolando entre os dedos e abre o vidrinho, para conferir a cor. Mão direita no pincel, começa a distribuir o verniz nas unhas da outra mão.

A menina assiste sorridente àquela cena que resulta quase em uma obra de arte pós-moderna. “Vozinha, deixa comigo, eu te ajudo a pintar”. A senhorinha nem ouve, entretida no sincero afã de deixar maravilhosas as suas sempre bem cuidadas unhas. A menina se aproxima, pega na mão da avó, e tenta direcionar melhor o pincel à unha que ficará magicamente vermelha. Mas nossa personagem a repele, já com um pouco menos de gentileza e de paciência. “Pode deixar, garota chata, sou perfeitamente capaz de fazer isso”.

Nenhuma dedicada neta teria a sensibilidade que aquela menina de seus quase 16 anos demonstrava, no cuidado com a mãe de sua mamãe. Não teve qualquer problema em se afastar e ficar observando de longe a avó se retorcendo em obstinado esforço para cobrir completamente a unha – e deixar em tons naturais os dedos.

Em poucos minutos, a velhinha dá por encerrado o trabalho e então olha para a neta, quase arrependida de seu comportamento. “Não ficou lindo? E podes tirar o excesso, pra mim?”. A menina respira fundo, senta-se ao lado da avó, toma às mãos os instrumentos necessários e começa a limpar o esmalte que estava esparramado não apenas pelas unhas, mas pelos dedos, mãos, punhos. Sobrou até para a delicada saia branca que a vovó usava. E, ao final do trabalho, unhas bonitas e coloridas, a velhinha ainda se gaba: “Não te falei que nenhum tal de Parkinson iria me impedir de fazer o que eu quisesse?”. E, só então, sorriu.

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