Discurso sem ódio
Texto: Ana Ribas Diefenthaeler
Fonte: A Notícia
Alguém me pede para falar de amor e de “chaves” para relacionamentos duradouros. Fico pensando que tipo de qualidade eventualmente me habilitaria a tal ousadia, e, percebo que, em vez de amor, talvez seja um dia bom para falar em solidariedade. Em amor entre irmãos, entre amigos, entre gente de uma mesma causa, a causa da gente… Nesses tempos bicudos, para usar a expressão cunhada pelo poeta Mário Quintana, é sempre restaurador desfiar os afetos.
E quando uma amiga querida, que encontro muito menos do que gostaria, me telefona para me dizer que “o coelhinho” deixou um chocolatinho pra mim – e que ela me mandaria, muito em breve –, imediatamente pensei em quantas pessoas amadas a gente tem por aí, que às vezes nem nos damos conta.
Temos compromissos, trabalho, muito trabalho, as encrencas de rotina da família, as ocupações eternas com as coisas tão bobas e por vezes tão complicadas do dia a dia – tenho certeza de que todo mundo já perdeu horas a fio tentando trocar o plano do telefone celular, cancelando uma assinatura ou mesmo solicitando serviços os mais diversos.
E nessa roda vida, vamos nos enredando em nós quase impossíveis de desfazer. Nossos amores seguem nos amando assim, meio de soslaio, à meia distância de nosso sorriso. E a gente meio se esquiva, meio comparece, atrapalhados que somos por nossa própria dinâmica louca do viver.
Pelas redes sociais, o revés de nossa integridade, as quase santas guerras travadas entre o ideal e o possível colocam em posições antagônicas pessoas as mais diversas, ideologias ou a ausência delas, filhos brigando com os pais, famílias inteiras se deteriorando em nome de conceitos tão distorcidos e vazios, tão sem-noção e sem razão, como “coxinhas” e “petralhas”.
A rasa base em que se edificam pomposos embates envolvendo a situação brasileira, a causa gay, e, mais recentemente, a proposta de redução da maioridade penal, me dá calafrios e pesadelos. Não damos conta de nosso entorno e temos respostas as mais rápidas, lógicas e fáceis para esses sérios dilemas.
E não é por outra razão que faço aqui a minha mea culpa e me comprometo a ser mais presente entre meus amigos tantos. Porque é no brilho do olhar, no abraço sincero e nas mãos estendidas que encontramos nossas mais preciosas respostas. É no amor que nos faremos pessoas melhores. E gente boa é que faz um país. Aliás, só para constar, um país íntegro não coloca crianças em cadeias – as envolve em afeto e públicas políticas de proteção.
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