Meninos e meninas
Texto: Ana Ribas Diefenthaeler
Fonte: A Notícia
Hoje, acordei oca. Procurei minhas certezas – e elas se perdiam em meio à confusão de um contexto amalucado, em que manobras políticas de quinta nos fazem retroceder. Não podemos sequer enxergar mais os poucos avanços , as ainda incipientes conquistas de nossas liberdades. Elas se perdem pelas manchetes do real: Quem seria ainda livre, em um país de tantas gaiolas sociais? Elas se esmaecem em nuvens de insanidades e incoerências.
Muito pior do que ser terceiro mundo sob os aspectos econômico e sociais, é voltar a ser quase analfabetos éticos – e aqui, nem se trata dos tantos casos de corrupção que ocupam a grande maioria dos espaços midiáticos, esses já devidamente esgotados, em termos de conceitos e julgamentos. Falo da ética da vida, de pastores vendilhões do templo. De ignorância e preconceito. Falo de uma assustadora falta de humanidade.
Mas falo, principalmente, do que a mim parece um certo arrefecimento intelectual generalizado. Alguém me diz que as pessoas estão desaprendendo o pensar. Ou se esquecendo desta importante função biopsiquicossocial. Todos têm opiniões, mas duvido que a maioria dessa gente que vomita ódios, preconceito, conceitos vãos, gaste um neurônio a mais para refletir sobre alguns temas que, para mim integram a lógica natural da vida, a lei do livre arbítrio e da proteção aos vulneráveis – tão necessários ao chamado equilíbrio social.
Não quero de volta um tempo de inquisição – que apenas de arte se alimentam minhas imersões ao passado. Não quero um tempo de guerra surda e louca em que se executam sumariamente perspectivas, sonhos e esperanças. Não há como condenar à prisão quem jamais pode ser livre, quem sequer pode ser petiz.
Acho que o brilhante juiz João Marcos Buch tem especial razão quando diz que basta cumprir à risca o Estatuto da Criança e do Adolescente para retirá-los do flagelo do crime. Tão simples e tão complicado…
É claro que é sempre mais fácil projetar no outro as culpas de tudo o que nos prejudica ou aborrece. Mas tenho a mais absoluta certeza de que se há criminosos nesta história, somos nós. Se há necessidade de encarceramento é o de quem sequestra desses meninos e meninas o direito à dignidade. Exibimos para eles, todos os dias, celulares de última geração, tênis e roupas de grife, carros pra lá de envenenados. Em vez de uma mãe contando histórias, desde muito cedo eles adormecem sonhando com marcas e grifes. E nós os acordamos, agora, com algemas e presídios.
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