Na Moral e Bons Costumes
Texto: Ana Ribas Diefenthaeler
Fonte: A Notícia
Outro dia, voltava para casa quando ouvi uma gritaria, na calçada ao lado do semáforo, onde aguardava pela luz verde. Na pista ao meu lado, um carro de candidato com seu alto-falante a mil. Na calçada, um rapaz berrava. Urrava, a plenos pulmões. “Veado, veadão, sua bicha louca”, entre outros impropérios de calão ainda mais baixo, mas todos alusivos à mesma temática.
Surpresa pela dedicação da criatura em ofender o candidato, prestei mais atenção naquele jovem lá com seus 28 anos, trinta quem sabe, jeito simples, roupa formal, a maior cara de religioso, desses que andam de calça social, camisa branca e a bíblia nas mãos. Ele não carregava a bíblia, mas era portador de uma baita raiva do candidato, seguramente. Sua voz e sua expressão corporal denotavam ódio profundo.
Fiquei refletindo sobre aquela situação maluca. Qual a diferença entre xingar alguém de “macaco” e de “gay”? Se, sob o aspecto legal, o racismo é crime inafiançável e imprescritível e a ofensa por opção sexual não é, penso que, eticamente, as duas situações são absolutamente iguais. Se ninguém escolhe ser negro, nem branco, nem oriental ou pardo, é coisa da mãe natureza, tampouco quem é homossexual o faz deliberadamente. Se ser negro ou branco não é doença, nem física, nem social, ser gay ou hétero também não.
Diante da constituição brasileira, todos somos iguais em direitos e deveres. A nossa lei maior nos resguarda, de forma explícita e destacada, o sagrado direito à dignidade. E não é preciso comentar que nem o Estado, nem a sociedade cumpre plenamente seus deveres em relação ao exercício da cidadania – e isso porque também nós, as criaturas que integram esse Estado e essa sociedade, não o fazemos. Se falhamos na unidade, falhamos no conjunto, também é outra lei da natureza…
Para começo de conversa, talvez fosse necessário pensar nos moralismos esdrúxulos que nos foram incrustados desde a infância. Por ignorância, seguramente, por não entender o outro como meu igual, ainda que ele seja absolutamente diferente, crescemos discriminando: o negro, o mais pobre, mulheres que trabalhavam fora, especialmente em funções tradicionalmente masculinas, os gays, as meninas mais “assanhadinhas”, as mulheres “de vida fácil”.
Sim, criamos, ao longo da existência, um sem-fim de preconceitos, rótulos e maldades contra nossos semelhantes. Não significa, no entanto, que não possamos aprender a acertar. Há que se fazer isso todos os dias. Não mais xingar ninguém de veado já é um bom começo. Mas… e xingar de Malafaia ou Feliciano, pode?
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