O livro em branco
Texto: Ana Ribas Diefenthaeler
Fonte: A Notícia
Há alguns bons anos, ganhei de uma amiga portuguesa muito querida, um Livro em Branco. Não conhecia. “Coisa de português”, brinquei com ela… Mas tratava-se, apenas, de um livro, com capa e orelha e cerca de 60 páginas em branco.
Por algum tempo, não sabia o que fazer com o tal livro – redigia direto no computador, escrever de próprio punho me parecia um tempo desperdiçado, já que eu, invariavelmente, teria que digitar tudo, depois.
Outro dia, reencontrei o meu Livro em Branco – que não está mais vazio, já que comprei uma caneta de ponta fina, respirei fundo, me armei de toda minha paciência e dedicação e fui preenchendo aqueles espaços enormes. Poemas e mais poemas, em minha letra atrapalhada de quem já quase desconhece os caminhos do manuscrito.
Fiquei surpresa com a quantidade de besteiras, mas também com algumas coisas boas que li. Na urgência de agradar minha amiga – queria mandar o livro para ela – fui escrevendo, me destroçando e reinventando… Páginas e páginas de mim. Ou do que quisera ser. Ou do que fui.
Não mandei o livro para além-mar. Eu o devo, até hoje, a minha amiga. Mas penso que me rever naquela poesia algo insana, algo etílica, muito visceral, me traz boas recordações e, sobretudo, muitas lições.
Foi um tempo de grandes tempestades existenciais. Muitas, mesmo. Um tempo em que me recusei a me enxergar, em que queria sair de mim, em que me negava o próprio reconhecer – e, portanto, o tempo em que o papel ganhava tudo o que eu era e não queria…
O Livro em Branco foi, para mim, a marca de um tempo negro – muito necessário, muito inspirador, muito reformador, que se traduziu em novos tempos de luz.
Cada verso que releio, passados 15 anos ou mais, me remete a situações, ações, pessoas e vivências importantíssimas, que me ensinam muito sobre a natureza, a volatilidade e a inconsistência humana. A começar pela minha própria.
E, então, eu entendo que evoluir não é necessariamente poder comprar um carro do ano ou ser capaz de escrever um best seller. Muito mais do que isso, é, quem sabe, conseguir descobrir nossos próprios pontos cegos – e, a partir deles, perceber melhor o que nos ameaça, nos deprime e nos empobrece. É antecipar em alguns segundos nossas escuridões e ter forças para redobrar nosso brilho. É garantir, por recursos íntimos, a nossa própria integridade. Quem dera todas as pessoas pudessem ter o seu Livro em Branco e, a partir dele, colorir mais a vida.
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