Razões para Cantar
Autora: Ana Ribas Diefenthaeler
Fonte: Jornal A Notícia
Eu canto o santo sal na correnteza. No sangue breve, na cama leve. Eu canto o que cabe em mim e o que extrapola. Rola. Embola a fúria na alma aflita.
Eu canto o que me insere e explode. Eu canto as maresias em mim. Eu canto o que há de mudo no outro e o que há de gritos, além. Eu salto de mim para cantar estrelas e corro, sozinha, a perseguir luar algum.
Eu fujo da sanha e ela me persegue, indômita viagem… Cavalgo as dores de tanta gente… Mentes e rios. Construo pontes e me atropelam. Desarmo as minas deste teu campo de sonhos. Mas eu canto e invado fétidas esquinas, lúgubres ruelas de um tempo febril.
A boca seca, a voz embarga – e eu canto o lírico despertar, renego o arauto que corrói as entranhas. Procuro o que há de ares, o que há de cores, de sobrevivências, nesta trilha carcomida de infiéis pesares. E eu sigo na canção da partida, sem dó de mim. Com o melhor de ti, com o acontecer de nós. Mas eu não digo adeus – nem ao diabo.
Reacendo as chamas, apenas para sentir a vida pulsar. E doo, às barulhentas gaivotas, as migalhas deste despertar. Que é de vida, que te falo. Ou tento te acordar.
Ensaio teses e rimas. Decodifico cismas. E reencontro a poesia à espreita, sufocando a fácil prosa. E me pergunto, insana, em que cruel cobertor tatuaste tuas dores.
Nunca sei, afinal, em que rancor te espraiaste. Em que farol tuas cismas me iluminam.
Mas eu canto. Ah, vou cantar sempre, preciso te avisar. Vou me sentar, tranquila, sobre a clave de fá. Vou te ouvir tamborilar teus chorinhos, vou contemplar teus dedos ágeis sobre meu couro ácido. Bélico. Mas, ainda angélica –, vou rufar-te em mim.
Viajo e, num repente, vou chamar de amigo, o detector de metais – ouro, ouro fulgura em tuas meras clarividências. Ouro, na pauta resiliente de nossas saudades.
Há querubins alcovitados, em nossa resistência. Vi isso no ocaso daquele ontem em que me sequestraste a alvorada. Teimei minhas crenças, quem és, afinal, para me sabotar as frágeis vaidades?
Mas, enfim e ao longe, sofro as misérias de mim – porque de ti desfiei apenas algumas sestrosas lágrimas. Viste, então, aonde pensava chegar?
Não. Não chorei. Nem agora nem quando quis tua carência encantada.
É minha a garganta que cede aos sons, que pede aos céus apenas a sensação da paz.
Comentários (0)
Os comentários estão fechados.