Três dias de imersão na ética da vida
Texto: Letícia Caroline
O termo bioética ainda é pouco difundido, restrito a atuação na área da saúde. Poucos sabem que a “ética da vida” é muito mais abrangente e pode ajudar em uma série de questões da sociedade moderna. Em três dias de participação no 10º Congresso Brasileiro de Bioética, pude ver muitos médicos, mas também vários sociólogos, filósofos, advogados, assistentes sociais, psicólogos, preocupados em estudar essa área para encontrar soluções para dilemas ambientais, físicos e mentais, trazidos com a evolução histórica e o surgimento de tecnologias cada vez mais avançadas.
A relação médico-paciente foi discutida várias vezes durante o evento, demonstrando a necessidade de se humanizar esse diálogo. José Marques Filho, conselheiro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), buscou no juramento de Hipócrates, proferido por todos os formandos de medicina, a palavra latina philia, que diz respeito à amizade e ao amor necessários no atendimento. Será que essa philia só precisa ser resgatada no atendimento médico? Quantas vezes deixamos de nos dedicar a alguém pelo simples fato de não conseguir organizar o tempo, colocando a culpa na “correria da vida”?
É nessa “correria da vida” que somos obrigados a fazer escolhas, que depois percebemos serem contra nossos valores. Você já pensou no seu comportamento ético? Quais valores são importantes? Temos sim tempo para deliberar, como gosta de usar o termo o professor Diego Gracia, da Espanha. Por que não parar para analisar conflitos inerentes à rotina, levando em consideração os juízos de valor, nossas objeções e opiniões? Não precisamos estar 100% certos, mas temos meios para tomar decisões prudentes, que não prejudiquem nossa consciência e contribuam para o bem-estar dos outros ao redor.
É como falou a professora Karla Amorim, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da importância de cuidar de si para cuidar do outro. Para ela, no meio de um mundo em que preza pela autossuficiência e por valores efêmeros, vamos perdendo a sensibilidade, a criatividade e a capacidade de conviver. É preciso cultivar a resiliência e a humildade para conseguir nos religar com o outro, com a comunidade, a sociedade e nossa essência.
Em meio a tantas novidades e avanços, já se fala em práticas de melhoramento da capacidade cerebral. Pense em como seria tomar uma pílula que aumentasse a agilidade do pensamento? Um exemplo parecido pode ser visto no filme “Sem Limites”, com o ator Bradley Cooper. Ao mesmo tempo, é preciso refletir sobre os valores éticos e morais envolvidos nessas ações. Como seria se tivéssemos um aparelho que, com análise de processos cerebrais, detectasse quando alguém fala uma mentira? Os tribunais poderiam utilizá-lo durante julgamentos? Esse foi um dos exemplos dados pela professora Cinara Nahra, da UFRN, perguntando-se: “O Estado tem direito de invadir nosso cérebro? Nós temos livre arbítrio?”.
Para além da área da saúde, em que tem ajudado a levantar muitos temas polêmicos, a bioética pode ser um guia para conflitos diários, ajudando a refletir sobre a convivência humana e resgatando nossas melhores características e talentos.
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